terça-feira, 13 de setembro de 2011

Álcool, direção e cestas básicas


Do site: JCNET
A Lei Seca vigora no Brasil desde 2008. Embora com resultados iniciais animadores, aos poucos a sua fiscalização foi arrefecida e as punições, quando ocorrem, são brandas para motoristas inebriados, envolvidos em acidentes com mortos e feridos graves. Dados associam a bebida a cerca de 50% dos acidentes graves no Brasil.

Circula na internet um vídeo de formatura de alunos em Administração, da ESPM, de 2010. O orador da turma, Vitor Gurman, 24 anos, dentre outros aspectos verborrágicos de seu espiche, lamentava a ausência de um colega. Ele voltava de uma festa, ingeriu bebida alcoólica e morreu em acidente em São Paulo, meses antes. Menos de um ano depois, Vitor Gurman morre atropelado, em Pinheiros. A motorista de 28 anos, alcoolizada, perdeu o controle da direção, bateu em um muro, capotando o veículo, que abateu Vitor, junto à faixa de pedestres. Cálculos preliminares indicam uma velocidade do veículo acima de 140 km/h.

Muitas pessoas bebem e dirigem. Quantos são flagrados em situação de alcoolemia, multados, carteiras suspensas, carros apreendidos, e condenados? Para esses homicidas, em geral, a pena é o pagamento de cestas básicas, condenação que seria adequada a um pichador ou a um brigalhão de botequim.

Em Goiás, em 2010, um juiz soltou um motorista preso por embriaguez, alegando ser a Lei Seca irreal, que tenta mudar hábitos culturais do país, que sempre considerou futebol e cerveja como “paixão brasileira”. Agora, o golpe de misericórdia na Lei Seca. Ele foi desferido pelo Supremo Tribunal Federal ao conceder, em 6.11.2011, habeas corpus a motorista que, ao dirigir embriagado, teria causado a morte de vítima em acidente de trânsito. A decisão desclassificou a conduta imputada ao acusado de homicídio doloso (com intenção de matar) para homicídio culposo (sem intenção de matar) na condução de veículo. Os ministros entenderam que a responsabilização a título “doloso” pressupõe que o indivíduo tenha se embriagado com o intuito de praticar o crime.

A defesa do motorista alegou ser crime culposo e não doloso, pois, “o fato de o condutor estar sob o efeito de álcool (...) não autoriza o reconhecimento do dolo, nem mesmo o eventual, mas, na verdade, a responsabilização deste se dará a título de culpa”. Sustenta, ainda, que o acusado “não anuiu com o risco de ocorrência do resultado morte e nem o aceitou, não havendo que se falar em dolo eventual, mas, imprudência ao conduzir seu veículo em suposto estado de embriaguez, agindo, assim, com culpa consciente”. Um ministro do STF defendeu que “o homicídio na forma culposa na direção de veículo prevalece se a capitulação atribuída ao fato como homicídio doloso decorre de mera presunção perante a embriaguez alcoólica eventual”. Para o ministro, a embriaguez que conduz à responsabilização a título doloso refere-se àquela em que a pessoa tem como objetivo se encorajar e praticar o ilícito ou assumir o risco de produzi-lo.

Uma grande ducha gelada foi derramada sobre todos aqueles que, como nós, defendem que o direito à vida deve prevalecer a qualquer outro. A água aspergiu também e principalmente sobre aqueles que perderam seus parentes e amigos nesta tragédia diária. Não pode o direito de beber ou o de não produzir prova contra si sobrepor ao direito sagrado à vida, dada por Deus a todos. A lei existe e o STF a cumpre, porém, não é adequada, nem justa. É legal, mas não moral. É preciso mudar urgentemente a lei. As leis devem servir ao homem e não o contrário. O mundo, de maneira solidária, relembrou postumamente três mil mortos do “11 de Setembro”. Será que os brasileiros se recordam dos 38 mil mortos no trânsito brasileiro, em 2010? Poucos, além dos parentes e amigos das vítimas.

Até que esta realidade seja modificada, as empresas que vendem cestas básicas continuarão a faturar, pois a tragédia da matança cotidiana no trânsito sacia subjacentemente a fome de alguns poucos, no mesmo diapasão em que alimenta a injustiça e pouco contribui para a preservação da vida humana. É preciso coragem para mudar a lei! Ora, será que querem mesmo mudar a lei? Afinal, desta estatística de motoristas xumbergados fazem parte, dentre outros, deputados, ex-governadores, senadores, juízes etc. 




O autor, Archimedes Azevedo Raia Jr., é mestre e doutor em transportes pela USP, coordenador do Núcleo de Estudos em Engenharia e Segurança de Trânsito Sustentável, professor da UFSCar e co-autor do livro “Segurança no Trânsito” - e-mail: raiajr@ufscar.br

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